sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014


De tempos em tempos, escrevo sobre mim. Acho que é uma tarefa apropriada para um poeta, ou quase-poeta: meu caso. Tenho analisado cada sensação que meu corpo é submetido e percebo essa superficialidade de sentimentos, esse esgotamento de aflições, esses anseios que nunca são abastecidos por conclusões, esses sonhos sendo mortos como se fossem nada – como se minha vida fosse nada. Eu acho que tenho morrido, com o tempo, com os dias, com as horas de vazio. Li em algum vício social – trocadilho horrível, eu sei – que morremos, padecemos, pelas nossas próprias injúrias, pelos nossos medos, até por nossos sonhos, mas não pelo nosso vazio. O vazio é aquele que permanece, é aquele que não se desvai, porque já é um ciclo completo, sem fim. Acho próprio dizer que, de alguma forma que desconheço, de tanto chorar, tremer de dor, eu expulsei o amor de mim. E hoje, falando com uma amiga, percebi que nem todos tem essa capacidade. Eu um vitorioso? Jamais. Amor é utópico e talvez não seja o que Quintana escrevera em seus versos, mas é algo bonito – pelo menos mais bonito que o pleno vazio em que me guardei. De tempos em tempos, eu escrevo sobre o que me afeta, sobre o me comove, sobre o que me transborda, mas, hoje, eu escrevo sobre meu vazio, e talvez seja o único sentimento que sobrou, o último suspiro que meu pulmão consiga dar, o meu último pulsar para fora de mim mesmo. Acho que me detalhei tanto em meus princípios que acabei esquecendo de preencher a mim mesmo, de preencher a carcaça que realmente precisa de sentimentos. Houve um furo em mim, é verdade. Houve um furo tão grande, um buraco tão gigante, que em menos de uma existência sumiu o que demorei tanto, mas tanto para criar: a solidão. Este último era o que me abastecia em época de pouco amor. Ele interligava meu vício mais delirante, lembranças, com meu medo mais tenebroso, a morte. Mas eu o perdi. Perdi tudo, e no meio destas perdas, sem perceber, eu perdi a mim mesmo. Perdi os dias em que encontrava-se um sorriso em meus lábios rachados, os dias em que as palavras doces eram mais afáveis que o próprio beijo, os dias em que me perdia de tanto ser o amor. Porém, hoje não. Hoje me perco procurando algo que deixei num velho trapo de roupa, num velho e longo passado. Hoje, eu desfaleço os meus últimos versos nessa canção que não fala – mais – de amor, mas sim de perdão. Tomará que, um dia, o meu eu antigo perdoa este meu eu atual e decrepito. Tomará que eu possa desfrutar o meu vazio com o meu antigo inteiro, com o meu antigo sentir até que as luzes apaguem, até que o espetáculo finalmente feche suas cortinas e eu possa me alimentar da minha própria ignorância na arte de ser morto.
— Augusto Soares

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